domingo, 26 de junho de 2011

Trem das oito


Ela pegaria o trem das oito. Estava frio, o ar com um gosto amargo, e ela não via a hora de sumir daquele lugar.
Tudo a expulsava de lá: Amante das flores do jeito que era, e só se via as árvores e plantas nuas como tipicamente acontece no outono. Odiava a solidão e também odiava ser esquecida, mas ela tinha se tornado último plano diversas vezes. Sorridente, mas cada vez mais triste. Apaixonada por ele, porém, as palavras ácidas que ele dissera, corroíam os seus sentimentos que eram antes tão calorosos.
Eram sete e quinze. Só mais quarenta e cinco minutos e ela deixaria essa parte da vida para trás. Seria ele tão influente assim que a faria abandonar o que sempre a alegrou? Ela dizia que não, era uma oferta de emprego irrecusável na capital, mas lia-se em seus olhos que esse não era o verdadeiro motivo.
Girou a chave lentamente, gravando cada segundo como uma despedida, e, em cada momento, desejando que ele a interrompesse.
Ela caminhava dando um passo de cada vez, olhando para trás frequentemente pela rua vazia, esperançosa. Deixava uma parte do seu coração em cada esquina, uma razão para cada sorriso em cada poste.
Sete e meia e ela continuava a caminhar, toda a paisagem numa escuridão da meia noite. Salvo pelas luzes enfraquecidas das ruas e as opacas luminárias das varandas.
Na sua cabeça, tudo ocorria em câmera lenta, a espera de mais uma chance. Mas sabe como que é, a vida não é bem do jeito que a gente quer.
Sua mochila começava a lhe pesar, marcava seus dedos. Não havia lá tantas coisas, só o básico. Havia muito deixado para trás.
Quase na estação, prestes a esquecer tudo, esquecer uma vida, um amor. Amor, palavra forte como essa, todos dizem como se fosse um nada. Mas era o que sentia.
Subindo os degraus da platarfoma, seu pensamento continuava nele. No jeito cafona em que ele deixava seu cabelo repartido, caindo nos olhos, naquele sorriso torto que a fazia prender a respiração, na maneira em que eles se completavam.
Ela era assim, clara como um céu sem nuvens, calorosa, fácil de ser compreendida, e mais fácil ainda seria agradá-la, gostava de amigos, se listasse um a um, escreveria um livro. Ele era um tanto enigmático, resolvia seus problemas por impulso e com uma incomparável precisão, era um maremoto, um grande vendaval, não falava o que sentia, como se conseguissem ler por trás do seu rosto sem expressão. Porém, ela despertava nele, o seu melhor lado. Aquele que ninguém conseguia ver. A imagem refletida por trás do espelho.
Sete e cinquenta e cinco. Tarde de mais talvez. Restam-lhe cinco minutos. "Será que sou assim tão insignificante?"
Oito e dois. O trem ia pegando velocidade aos poucos, cada vez borrando mais a paisagem lá fora. E ele não veio. A pergunta que ela fazia a si mesma, era respondida. Inacreditável. Será?
Lágrimas surgiam em seus olhos. Decepção, o que melhor descrevia aquele momento. Os pinheiros ao longe passavam em questão de milésimos de segundo. Ele se esqueceu.
Uma lágrima escorreu do canto do olho à ponta do queixo. A viagem vai ser longa. Esses trens que param em todas as cidades, você sabe como são cansativos.
Uma voz suave, doce, de tom conhecido a acordou. Ela adormecera perdida em seus pensamentos e lágrimas. Era um sonho? Um sonho lindo.
O dono de seus pensamentos estava lá, parado, sorrindo, dentro de um vagão em movimento. Havia tomado o trem em sua outra parada, pois, enrolado do jeito que ela sabia, se atrasou e chegou a tempo de ve-lo partindo.
E o tão irrecusável emprego na capital? Ela havia se esquecido completamente dele ao sair de mãos dadas do vagão com o motivo de todas as suas decisões.

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